quinta-feira, 14 de outubro de 2010

PROCESSO HISTÓRICO DE CONSTRUÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA E AS DIFERENÇAS REGIONAIS DE SUA APLICABILIDADE.

O papel da mulher no que diz respeito ao seu espaço conjugal, moral, educacional e trabalhista causou grandes impactos nas relações sociais nos últimos séculos. Espaços ditos “sociais de apoio à mulher” foram criados no início da colonização brasileira com o intuito de amenizar certos problemas conjugais ou querelas de mulheres ditas de “moral duvidosa”. No texto Recolhimento de Mulheres a gente pode constatar isso. Lá está dito que no ano de 1764 foi fundado em Niterói, o Recolhimento de Santa Tereza de Itaipu. Tinha como objetivo abrigar mulheres casadas abandonadas. Diz o mesmo texto ainda que tal local servia também para castigar moças solteiras que se insurgiam contra as determinações dos pais, principalmente por motivo de casamento. Ainda nessa mesma época, há um outro registro de fundação, em 1739, de um espaço chamado de Recolhimento das Órfãs da Santa Casa, fundado a partir de doações feitas à Irmandade da Misericórdia do Rio de Janeiro, com o objetivo de amparar as órfãs carentes. Ao contrário do Recolhimento de Santa Tereza de Itaipu, este último não se destinava a abrigar mulheres arrependidas ou infratoras, funcionando, antes, como uma casa onde as jovens órfãs se preparavam para o matrimônio. Há também, em 1752, fundado no Rio de Janeiro, ao lado da Capela de Nossa Senhora do Parto, o Recolhimento do Parto, que se destinava tanto a abrigar as mulheres casadas abandonadas quanto as moças solteiras castigadas pelos pais. Segundo depoimentos da época, essas casas de abrigo para as mulheres passaram a serem vistas por essas mesmas mulheres com certos olhares de desconfiança, visto serem transformadas em “uma arma de disciplina para os homens que desejavam livrar-se de suas esposas”.

No início do século XX, já no período da Nova República, as casas assistências citadas acima perdem sua influência social e outros espaços sociais de assistência à mulher são criados. São muitos os colégios católicos que abrem suas portas com cursos voltados a abrigar garotas que manifestavam vontade de estudar. Nessas escolas, a ideologia predominante é ainda aquela centrada na moral cristã, rígida e de teor paternalista. As habilidades ressaltadas nessas escolas centravam-se em cima de fazeres domésticos ou de ‘mulheres prendadas’. Concomitantemente a essas escolas, surgiam também pequenos hotéis, pousadas ou pensões que abrigavam mulheres – sob a desculpa de estarem oferecendo às mesmas trabalho e abrigo – para, na verdade, lhes explorarem sexualmente. Seria, portanto, uma prostituição “travestida” de ocupação, trabalho. Na maioria das vezes, como nos conta os mais velhos, essas mulheres eram maliciosamente atraídas pela oferta de trabalho doméstico (faxina, lavagem de roupa, dentre outros). Estando lá, o aliciamento para o sexo se dava através da dona da pensão ou como a chamam alguns, da jacutinga. Geralmente, essas mulheres provinham de lares cujos parentes mais próximos haviam entrado em intensos conflitos para com elas. Era como, por assim dizer, uma fuga desses ambientes familiares. Poder-se-ia eventar o tipo de mulher que ali chegavam: mulheres que fugiam dos assédios sexuais do próprio pai, irmão ou tio mais próximo; que também fugiam da violência física (espancamentos) dos pais ou irmãos; mulheres que, ao invés de fugirem, eram expulsas (geralmente pelo pai) por terem praticado ato sexual antes do casamento; essas mulheres, segundo seus familiares, haviam desonrado a família delas; dentre outras razões.

Gostaria de atentar agora para a origem dessa mentalidade forjada em cima do predomínio do masculino (homem onipotente) sobre o feminino (mulher frágil e passível de duras penas). Parece que nossa cultura vinda, principalmente, do europeu colonizador, é baseada na cultura judaico-cristã. E me parece que não é por acaso que o nosso Deus é Javé/Jeová, o Todo-Poderoso, e, é claro, masculino. Teve um único filho, que também não foi por acaso, um ser do sexo masculino e a sua outra face, o Espírito Santo, também é masculino. A linguagem é predominantemente masculina em toda a Escritura Sagrada. Nosso Criador não teria, em princípio, criado a mulher. O único ser humano criado, de acordo com o primeiro livro da Bíblia, chamado de Gênesis, é o homem. E a mulher não aparece nos planos do Criador. Porém diz o mito bíblico que as coisas não deram muito certo: o homem estaria se entediando e o Criador, então, se viu em apuros. Sua obra-prima, o ser humano homem, estava com problemas. Agora o Criador se viu como que obrigado a mudar os planos e mexer na Sua criação, dando origem, em seguida, à mulher. Mais adiante, essa mesma mulher é penalizada pela entrada do pecado no paraíso do Éden, o local perfeito criado pelo mesmo Deus. E assim vai se criando uma mentalidade onde a mulher começa a ser penalizada pelos problemas criados no meio. E com relação ao matrimônio, a cultura da bíblia, do Pentateuco, o homem poderia ter várias concubinas, engravidar a empregada doméstica se a sua varoa não pudesse lhe dar filhos. Diz o texto bíblico que Salomão tinha setecentas mulheres, e, ainda assim, era considerado puro e santo. A mulher, pelo contrário, seria expulsa de casa e apedrejada em público se fosse pega em adultério. E para completar o quadro discriminatório e de peso desigual entre homem e mulher nessa cultura que nos foi imposta pela religião cristã, aparece a figura de Nossa Senhora. Essa é a simbologia perfeita do preconceito contra a mulher. Mulher para ter valor é preciso ser como a Nossa Senhora. Essa mulher, dita mãe de Jesus e de Deus, é absolutamente pura e virgem. Encerra em si todo modelo de recatamento e pureza e a mulher que não se assemelhar a ela é mal vista. Finalmente, gostaria de relatar que as relações de gênero no Ocidente, e, portanto, no Brasil, tiveram uma influência muito grande da “mitologia” judaica, na sua feição institucionalizada de Igreja Cristã (Católica, Protestante). Partindo dessa influência cristã, chega-se, afinal, à mulher moderna. A mulher moderna é aquela que se diz independente, que é capaz de tomar suas próprias decisões, é filha do capitalismo, não nasceu acidentalmente, mas de uma realidade cotidiana, uma realidade de massa, um fator que se repete de forma determinada, nasceu com os ruídos infernal das máquinas da usina e da sirene das fábricas. A imensa transformação que sofrera as condições de produção no transcurso dos últimos anos, inclusive depois da influencia das constantes vitórias da produção do grande capitalismo,obrigou também a mulher a adaptar-se às as novas condições criadas pela realidade que as cercam .o tipo fundamental da mulher está em relação direta com o grau econômico por qual atravessa a humanidade. Ao mesmo tempo em que se experimenta uma transformação das condições econômicas, experimenta-se também a mudança no aspecto psicológico da mulher. Essa mulher moderna não poderia aparecer se ao não ser com o aumento quantitativo da força de trabalho feminino assalariado. Há cinqüenta anos, considerava-se a participação da mulher na vida econômica como desvio do normal, como infração da ordem natural das coisas. As mentalidades mais avançadas, os próprios socialistas buscavam os meio adequados para que a mulher voltasse ao lar. Hoje em dia, somente os reacionários encerrados em preconceitos e na mais sombria ignorância, são capazes de repetir essas opiniões abandonadas e ultrapassadas há muito tempo. Há cinqüenta anos, as nações civilizadas não contavam nas fileiras da população ativa com mais que algumas dezenas ou mesmo centenas de milhares de mulheres. Atualmente, o crescimento da população trabalhadora feminina é superior o da população masculina. Os povos civilizados dispõem não somente de milhares, mas sim de milhões de braços femininos. Milhões de mulheres pertencem às fileiras proletárias; milhares de mulheres têm uma profissão: consagram sua vida à ciência e à arte.

As relações de produção que durante tantos séculos mantiveram a mulher trancada em casa, submissa ao marido ou ao pai que a sustentava, são as mesmas que ao arrancar as correntes enferrujadas que a aprisionava, impelem a mulher frágil e inadaptada à luta do cotidiano e submetem à dependência econômica do capital.

A mulher ameaçada de perder toda a assistência diante do temor de padecer privações e fome, vê-se com problema de adaptar-se rapidamente às novas condições de sua existência e tem que rever imediatamente as verdades morais que herdou de suas avós. As “virtudes” femininas como passividade, doçura e submissão que foram passadas durante séculos, tornam-se, agora, inúteis e prejudiciais. A dura realidade exige outras qualidades nas mulheres: precisa-se agora de firmeza, decisão e coragem, isto é, aquelas virtudes que eram consideradas como propriedade exclusiva dos homens. Nesta urgência em adaptar-se às novas condições de sua existência, a mulher se apodera e assimila as verdades propriamente masculinas.

Privada da proteção que até então a família lhe oferecia ao passar do aconchego do lar para a batalha da vida e da luta de classes, a mulher não tem outro remédio, senão armar-se, fortificar-se com as forças psicológicas próprias do homem, de seu companheiro que sempre está em melhores condições de luta pela vida.

A realidade capitalista contemporânea parece esforçar-se em criar um tipo de mulher – que pela sua formação de espírito – se encontre incomparavelmente mais próxima do homem que da mulher do passado. Este tipo de mulher é uma conseqüência natural e inevitável da participação da mulher na vida econômica e social. O mundo capitalista só recebe as mulheres que souberem desprezar a tempo as virtudes femininas e que assimilem a filosofia da luta pela vida. Persiste, ainda, aquelas mulheres que insistem em pertencer ao modelo antigo, criando, então, uma espécie de seleção natural entre as mulheres das diversas classes sociais.

As fileiras das trabalhadoras são sempre formadas pelas mais fortes e resistentes; as de natureza frágil e passiva continuam fortemente vinculadas ao lar. As necessidades materiais, por vezes, fazem com que essas mulheres saiam de casa e deixem-se levar pelo “caminho fácil” da prostituição; casam-se por conveniência ou vão para as ruas.

A classe operária necessita de mulheres que não sejam escravas: não quer mulheres sem personalidade no patrimônio e na família; nem tampouco mulheres que possuam as virtudes femininas já citadas acima. Portanto, necessita de companheiras capazes de protestar contra toda servidão, que possam ser consideradas como membros ativos de seus direitos.

Alicerçadas em cima da igualdade de gênero, dos direitos universais humanos, do direito da criança e do adolescente, as mulheres de hoje começaram a criar o ambiente propício, e por que não, legal, para “forçar” as autoridades competentes a repensar seus direitos diante do homem. A própria sociedade civil também entrou nesse ambiente de reconhecimento do direito da mulher. Isso se vê através da criação do Conselho da Mulher, da Delegacia da mulher, da Equipe Técnica Especializada, de Campanhas Educativas, como também ONGs que levantam a “bandeira” em defesa desses direitos; de seminários, simpósios, congressos, encontros nacionais, dentre outros. Como exemplo dessas ONGs, pode-se citar a Casa Lilás, uma ONG onde quase todos os seus membros são, obrigatoriamente, do sexo feminino e que dá cursos gratuitos à população jovem em geral, conscientizando esse público alvo sobre questões de gênero, principalmente. Outra ONG também bastante atuante na defesa dos direitos da mulher é a Agende (Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento).

Mas, mesmo com todas as conquistas que a mulher conseguiu, ela ainda sofre muita violência, principalmente por parte de seu cônjuge a Diretora-executiva da Agende , Marlene Libardoni, alerta “para os casos em que o homem mata como se fosse por “lealdade” a outro homem. “É como se fosse uma confraria, eles têm de se mostrar fortes , confirmar a dominação”, e exemplifica “Só em 2005 os hospitais do Sistema Único de Saúde receberam 8.464 casos de mulheres agredidas no país”.Segundo a revista Istoé 29 de novembro/2006 nº 1936, em 2006 “Pernambuco registra um dos cenários mais alarmantes,com 193 mortes desde de janeiro deste ano,mas o fenômeno é nacional”.Isso “motivou a criação da Lei Maria da Penha em agosto,base jurídica importante para combater o crime”. A lei recebeu esse nome em Homenagem a biofarmacêutica Maria da penha, “cuja tragédia pessoal sensibilizou organismos internacionais e provocou uma reação do Estado brasileiro na questão do combate à violência doméstica contra a mulher.”fabrício da Mota Alves” file:///F:/lei maria da penha.htm.

A diferença de aplicabilidade da lei Maria da Penha nas mais variadas regiões do país vai depender da forma como as relações de gênero são vistas pelas autoridades e pela sociedade civil. Numa região em que a cultura machista é mais enraizada e o culto ao homem é mais permissível e até aceito como nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, aplicar a lei tal como está no papel é complicado, e, algumas vezes, até inviável. Isso se dá porque muitos advogados usam de argumentação falaciosa, do tipo: apelam para a cultura antropocêntrica onde o ser humano homem é intocável no que diz respeito à sua moral masculina, sua autoridade como cônjuge ou progenitor, sua autoridade como provedor do sustento da família, etc. Em outras regiões como a Sudeste e a região Sul onde, a princípio, as relações de gênero são vistas e vivenciadas de forma mais eqüitativa, a lei é aplicada sem maiores complicações ou impedimentos. Isso também não implica dizer que mesmo em regiões onde as questões sociais são tratadas de forma mais humana e a lei é mais cumprida, não se tenha casos em que injustiças são feitas, casos são “engavetados”, erros jurídicos são cometidos, etc.

As questões relacionadas às relações de gênero no que diz respeito principalmente à violência física são por demais complexas; envolvem muitos valores que atravessaram séculos, e, que, portanto, continuam assaz enraizados no nosso meio social. Valores cristãos de submissão da mulher ao homem ainda subsistem em nossos dias, baseados no princípio de que o homem é o cabeça da Criação.

A sociedade Moderna tem tentado aplicar vários papéis diferenciados com relação à atuação da mulher como mãe, esposa, trabalhadora, dentre outros. Estudos nas áreas das ciências sociais têm sido feitos visando à melhoria das relações de gênero. Da antropologia à neurociência, da sociologia à psicologia social, cientistas sociais têm criado teorias e feito experiências para compreender e explicar as relações homem/mulher.

Acredito que a mulher tem conquistado sua emancipação quando passou a assumir um papel socialmente ativo: quando passou a ocupar trabalhos nos mais variados campos econômicos, culturais e políticos; quando passou a se relacionar com o homem não mais o tendo como seu “senhor” como o era em tempos outrora; a hierarquia da autoridade do homem sobre a mulher cede lugar ao companheirismo entre agentes sociais (homem/mulher).

Finalmente, a Lei Maria da Penha nos anos 2000 vem corroborar todo um processo de crescimento e amadurecimento dos direitos da mulher em uma sociedade que evolui para a igualdade e eqüidade entre todos os seres humanos.

R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S

01. Revista Istoé, nº 1936, de 29 de abril de 2006, Editora Três.

OBRAS CONSULTADAS “ON LINE”:

http://www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br

file:///F:/lei%20maria%20da%20penha.htm

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